quarta-feira, 19 de abril de 2023

A REVOLTA JUVENIL EM CHICAGO

 


A REVOLTA JUVENIL EM CHICAGO

      

Marcus Gomes

 

Sociólogo; Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB); Autor do livro “O Que é Felicidade?” (Goiânia: Edições Enfrentamento, 2022).

 

 

O fim de semana em Chicago, Estados Unidos, foi surpreendido por uma explosão violenta de jovens, alguns diriam “adolescentes” (os jovens até 21 anos), que quebraram objetos e materiais, bloquearam ruas, saquearam lojas. Isso parece um incidente isolado. Porém, em Los Angeles ocorreu também tumulto, assim como, recentemente, tais acontecimentos estão eclodindo aqui e ali nos Estados Unidos. O fim de semana de Chicago ainda não acabou. O que interessa, no entanto, é como explicar esse acontecimento e entender seu significado.

O estopim foi um acontecimento pueril: um grande contingente de jovens queriam entrar no Millennium Park, no qual só podem entrar menores de 21 anos se estiverem acompanhados por um adulto. A revolta começou e a polícia tentou impedir, mas foi pega de surpresa e sem o devido preparo (o que muitos jornalistas destacaram).

Alguns tentam explicar o acontecido, como o articulista do The Washington Stand, Joshua Arnold, pelas “políticas antiparentais” existentes nos Estados Unidos, que une a “esquerda”, os professores e alguns outros para desmoralizar os pais dos jovens (ARNOLD, 2023). Cita, inclusive, como a desmoralização dos pais, que seria uma “política”, ou seja, algo planejado, se manifesta nas escolas, onde os professores buscam substituir os pais. Isso pode ser vista, por exemplo, na fala de uma professora, Alicia Messing, segundo a qual ela questiona o que os pais tem para oferecer: “o propósito da educação pública não é ensinar apenas o que os pais querem que seus filhos aprendam, é ensinar a eles o que a sociedade precisa que eles aprendam” (Apud, ARNOLD, 2023). A questão da identidade sexual (de “gênero”) é citada também, pois, segundo o articulista, as escolas estocaram armários com roupas para “os alunos possam se travestir” sem que seus pais saibam. Assim, a conclusão do articulista é que a demoralização dos pais faz com que os “adolescentes” se tornem problemáticos e “muitas escolas estão treinando crianças para serem ativistas de esquerda” (ARNOLD, 2023).

Essa curiosa interpretação só poderia ser de um jornalista extremamente conservador. Ele se pergunta, assim como diversos outros que ele cita, “onde estão seus pais?”. Em que pese haja momentos de verdade nesse discurso, pois realmente existe uma política educacional e cultural em vigor, que reproduz o subjetivismo e os problemas derivados dele, bem como efetivamente há uma desmoralização dos pais, a explicação da revolta juvenil apenas por isso é reducionista e tão pobre quanto o que ele combate. A direita combate a esquerda, mas ambas são reducionistas e são geradoras de problemas ao invés de soluções.

Outros nem sequer buscam explicações. Muitos falam do “caos” e não ultrapassam esse nível de descrição caótica da realidade. A realidade, supostamente caótica, gera explicações caóticas de pessoas de pensamento caótico. Realmente, é o caos! Mas trata-se, inicialmente, de um pensamento caótico, confuso. Existe um grande contingente que culpabiliza os jovens, pois este seria um problema dos indivíduos dessa faixa etária, considerado aqueles que são chamados de adolescentes, que são aqueles que estão saindo da infância e nos primeiros anos da juventude, os infanto-juvenis. A culpabilização dos jovens é, em alguns casos, acompanhada pela culpabilização dos pais, da comunidade, do aparato policial. O aparato policial ficou surpreso e perplexo e suas declarações apontam para uma ação que visa controlar a cidade e solicita o apoio dos pais, que devem acompanhar seus filhos. A declaração do CPD (Departamento de Polícia de Chicago) aponta para isso:

A principal prioridade do Departamento de Polícia de Chicago é a segurança e o bem-estar de nossos residentes e visitantes, incluindo os jovens de nossa cidade. O comportamento imprudente, perturbador e violento que foi visto no centro da cidade no último fim de semana não será tolerado. Incentivamos nossos jovens a serem seguros e responsáveis ​​enquanto aproveitam seus fins de semana, mas qualquer pessoa envolvida em atividades criminosas será presa e responsabilizada.

Analisamos ativa e continuamente as mídias sociais de código aberto e recursos adicionais estarão disponíveis para proteger aqueles que estão visitando, morando ou trabalhando nas áreas de grandes aglomerações. Os recursos incluem uma maior presença da polícia e do comando nessas reuniões em toda a cidade. Nossos Centros de Apoio à Decisão Estratégica (SDSCs) também monitorarão todas as atividades e câmeras policiais para auxiliar na realocação proativa de recursos quando necessário.

Medidas de segurança adicionais, como controle de bagagem nos pontos de entrada da praia e toque de recolher para menores no Millennium Park, também estarão em vigor. O CPD também está trabalhando em estreita colaboração com jovens e trabalhadores de extensão para quando essas reuniões ocorrerem.

Incentivamos fortemente os pais a acompanharem seus filhos adolescentes ou deixá-los sob a supervisão de um adulto responsável. Continuaremos trabalhando ao lado de nossas organizações e líderes comunitários para fornecer espaços seguros e alternativas para nossos jovens em toda a cidade (GOUDIE, 2023, s/p).

Se o jornalista Joshua Arnold, citado anteriormente, se preocupasse em sair de sua preocupação moralista e observasse a situação dos Estados Unidos (e por isso atos semelhantes em outros lugares e cada vez com mais frequência)[1], ele veria uma situação social marcada por maior precariedade, aumento do desemprego e diversos outros problemas sociais[2]. Ele também veria que, além dos professores e da escola com sua política cultural e educacional e seus ditames ideologêmicos, os meios oligopolistas de comunicação e a internet são outros elementos que reproduzem o subjetivismo, o ceticismo generalizado, a evasão, o vazio, a falta de sentido. Juntar a situação social precária, a falta de perspectiva de futuro dentro do capitalismo (emprego, boa renda, etc., o que é almejado pela maioria dos indivíduos na sociedade atual), o discurso do fim das utopias (e o real enfraquecimento dos projetos utópicos, sejam os irrealizáveis, sejam os realizáveis), e o subjetivismo hegemônico (com suas várias manifestações, como o hiperindividualismo, o grupismo, o voluntarismo, o irracionalismo, entre outras), explica a revolta juvenil em Chicago.

Contudo, os militantes e ativistas mais radicais não devem se entusiasmar pela revolta em si. Ela é só uma “revolta” e a tendência contemporânea é a ampliação de explosões e revoltas, pois a sociedade contemporânea é uma panela de pressão perto de explodir e isso se torna mais forte ainda quando não vê nenhuma “luz no fim do túnel”.  A percepção que a revolta pode ser a primeira forma de reação contra a sociedade atual já foi anunciada:

Uma sociedade evasiva é, ao mesmo tempo, manipulável e explosiva, pois ao lado da evasão generalizada há a insatisfação generalizada e se a manipulação falha, abre a possibilidade da explosão social que pode gerar uma revolta destrutiva ou uma revolução social (VIANA, 2022, p. 109).

O interessante é que a revolta é, ao mesmo tempo, protesto e demonstração de insatisfação, mas impotência, pois não gera o novo, a mudança. O prefeito eleito de Chicago, Brandon Johnson, foi menos infeliz em sua análise e posição, apesar de sua incompreensão do fenômeno em sua totalidade. Ele afirmou que não é “construtivo demonizar os jovens”, pois estes “carecem de oportunidades em suas próprias comunidades” (apud. CALDWELL, 2023, s/p). Essa afirmação permitiu a reação conservadora do jornalista Caldwell, dizendo que os jovens não são “vítimas”, mas “infratores da lei” (CALDWELL, 2023). O que o prefeito eleito, que ainda tomará posse, percebeu foi o problema social que gerou o acontecimento, embora sua percepção dele seja extremamente limitada, assim como sua “solução”[3]. Johnson percebeu um aspecto do acontecimento: o protesto, que revela insatisfação. Não percebeu, no entanto, as raízes mais profundas do fenômeno. O senador Robert Peters foi mais perspicaz ao afirmar que se tratou de “um protesto em massa contra a pobreza e segregação” (apud. SPADY, 2023, s/p).

Desta forma, podemos concluir que a revolta juvenil de Chicago foi um protesto contra a miséria real existente hoje no mundo e sua manifestação concreta e específica nessa cidade. Ela demonstra uma insatisfação social forte e que tende a crescer, especialmente com o problema econômico dos Estados Unidos que se agrava e tende a gerar uma crise nacional e assim reforçar a tendência para uma crise mundial, pois outros países do bloco imperialista estão em situação semelhante. Nesse sentido, as revoltas tendem a aumentar e explodir. Porém, revolta é apenas destruição. O momento afirmativo requer a utopia, o projeto alternativo, aí se passa da revolta para a revolução. As revoltas podem, no entanto, e esse é seu aspecto positivo, abrir caminho para o retorno das utopias e, com isso, podem ser substituídas por revoluções. Eis a única saída, pois se isso não ocorrer, a selvageria e a guerra são as outras opções. Por isso se torna necessário as pessoas voltarem a buscar a felicidade ao invés de se contentar com as migalhas e satisfações substitutas oferecidas pela sociedade atual. É hora de lutar pela utopia autogestionária.

 

Referências

 

ARMSTRONG, Brian. It Wasn’t a ‘Teen Takeover’ in Chicago Over the Weekend, It Was a Riot. Disponível em: https://www.thetruthaboutguns.com/it-wasnt-a-teen-takeover-in-chicago-over-the-weekend-it-was-a-riot/ Acesso em: 18/04/2023.

 

ARNOLD, Joshua. Two Street Riots, One Weekend: The Violent Legacy of Anti-Parent Policies. Disponível em: https://washingtonstand.com/commentary/two-street-riots-one-weekend-the-violent-legacy-of-antiparent-policies acesso em: 18/04/2023.

 

CALDWELL, Gianno. Next Chicago mayor excuses rioters: Expect more victims of violence. Disponível em: https://nypost.com/2023/04/18/next-chicago-mayor-excuses-rioters-expect-more-victims-of-violence/ Acesso em: 18/04/2023.

 

GOUDIE, Chuk. What went wrong? How chaos unfolded in downtown Chicago. Disponível em: https://abc7chicago.com/chicago-violence-woman-attacked-in-teenage-riot-beat/13150528/ acesso em: 18/04/2023.

 

SPADY, Aubrie. Illinois state senator defends Chicago teens' rioting, looting: “It's a mass protest”. Disponível em: https://www.fox32chicago.com/news/illinois-state-senator-defends-chicago-teens-rioting-looting-mass-protest acesso em: 18/04/2023.

 

VIANA, Nildo. A Sociedade da Evasão. In: FERREIRA, Ezequiel; FREITAS, Patrícia; MELLO, Roger. (Org.). Psicologia e Desenvolvimento. Pesquisa e Atuação. 1ed.Rio de Janeiro: E-Publicar, 2022, v. 1, p. 98-112. Disponível em: https://www.academia.edu/69898927/A_Sociedade_da_Evas%C3%A3o Acesso em: 18/04/2023.

 



[1] O próprio jornalista cita isso, mas a sua explicação é a mesma para todos os casos.

[2] Basta assistir um telejornal da cidade, disponível no Youtube, do dia 14 de abril desse ano, para ver que o assunto principal é a criminalidade, bem como protestos de trabalhadores, fechamento do Walmart e suas consequências para certos setores da população.

cf. https://www.youtube.com/watch?v=7Iu6iJurCMA).

[3] “Criar espaços para os jovens se reunirem com segurança e responsabilidade, sob a orientação e supervisão de um adulto, para garantir que todas as partes de nossa cidade sejam bem-vindas para residentes e visitantes” (apud. ARMSTRONG, 2023, s/p.). Uma solução tão superficial quanto a análise do acontecimento, embora menos equivocada do que outras.

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Publicação Original:

https://redelp.net/index.php/pos/article/view/1331

GOMES, M. A Revolta Juvenil em Chicago. Revista Posição[S. l.], v. 10, n. 23, 2023. Disponível em: https://redelp.net/index.php/pos/article/view/1331. Acesso em: 19 abr. 2023. 


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