A REVOLTA JUVENIL EM CHICAGO
Marcus Gomes
Sociólogo; Doutor em Sociologia pela Universidade de
Brasília (UnB); Autor do livro “O Que é
Felicidade?” (Goiânia: Edições Enfrentamento, 2022).
O fim de semana em Chicago, Estados Unidos, foi surpreendido
por uma explosão violenta de jovens, alguns diriam “adolescentes” (os jovens
até 21 anos), que quebraram objetos e materiais, bloquearam ruas, saquearam
lojas. Isso parece um incidente isolado. Porém, em Los Angeles ocorreu também
tumulto, assim como, recentemente, tais acontecimentos estão eclodindo aqui e
ali nos Estados Unidos. O fim de semana de Chicago ainda não acabou. O que
interessa, no entanto, é como explicar esse acontecimento e entender seu
significado.
O estopim foi um acontecimento pueril: um grande contingente
de jovens queriam entrar no Millennium Park, no qual só podem entrar menores de
21 anos se estiverem acompanhados por um adulto. A revolta começou e a polícia
tentou impedir, mas foi pega de surpresa e sem o devido preparo (o que muitos
jornalistas destacaram).
Alguns tentam explicar o acontecido, como o articulista do The Washington Stand, Joshua Arnold,
pelas “políticas antiparentais” existentes nos Estados Unidos, que une a “esquerda”,
os professores e alguns outros para desmoralizar os pais dos jovens (ARNOLD,
2023). Cita, inclusive, como a desmoralização dos pais, que seria uma
“política”, ou seja, algo planejado, se manifesta nas escolas, onde os
professores buscam substituir os pais. Isso pode ser vista, por exemplo, na fala
de uma professora, Alicia Messing, segundo a qual ela questiona o que os pais
tem para oferecer: “o propósito da educação pública não é ensinar apenas o que
os pais querem que seus filhos aprendam, é ensinar a eles o que a sociedade
precisa que eles aprendam” (Apud, ARNOLD, 2023). A questão da identidade sexual
(de “gênero”) é citada também, pois, segundo o articulista, as escolas
estocaram armários com roupas para “os alunos possam se travestir” sem que seus
pais saibam. Assim, a conclusão do articulista é que a demoralização dos pais
faz com que os “adolescentes” se tornem problemáticos e “muitas escolas estão
treinando crianças para serem ativistas de esquerda” (ARNOLD, 2023).
Essa curiosa interpretação só poderia ser de um jornalista
extremamente conservador. Ele se pergunta, assim como diversos outros que ele
cita, “onde estão seus pais?”. Em que pese haja momentos de verdade nesse
discurso, pois realmente existe uma política educacional e cultural em vigor,
que reproduz o subjetivismo e os problemas derivados dele, bem como
efetivamente há uma desmoralização dos pais, a explicação da revolta juvenil
apenas por isso é reducionista e tão pobre quanto o que ele combate. A direita
combate a esquerda, mas ambas são reducionistas e são geradoras de problemas ao
invés de soluções.
Outros nem sequer buscam explicações. Muitos falam do “caos”
e não ultrapassam esse nível de descrição caótica da realidade. A realidade,
supostamente caótica, gera explicações caóticas de pessoas de pensamento caótico.
Realmente, é o caos! Mas trata-se, inicialmente, de um pensamento caótico,
confuso. Existe um grande contingente que culpabiliza os jovens, pois este seria
um problema dos indivíduos dessa faixa etária, considerado aqueles que são
chamados de adolescentes, que são aqueles que estão saindo da infância e nos
primeiros anos da juventude, os infanto-juvenis. A culpabilização dos jovens é,
em alguns casos, acompanhada pela culpabilização dos pais, da comunidade, do
aparato policial. O aparato policial ficou surpreso e perplexo e suas
declarações apontam para uma ação que visa controlar a cidade e solicita o
apoio dos pais, que devem acompanhar seus filhos. A declaração do CPD (Departamento
de Polícia de Chicago) aponta para isso:
A principal prioridade do Departamento de Polícia de Chicago é a segurança e o bem-estar de nossos residentes e visitantes, incluindo os jovens de nossa cidade. O comportamento imprudente, perturbador e violento que foi visto no centro da cidade no último fim de semana não será tolerado. Incentivamos nossos jovens a serem seguros e responsáveis enquanto aproveitam seus fins de semana, mas qualquer pessoa envolvida em atividades criminosas será presa e responsabilizada.
Analisamos ativa e continuamente as mídias sociais de código aberto e recursos adicionais estarão disponíveis para proteger aqueles que estão visitando, morando ou trabalhando nas áreas de grandes aglomerações. Os recursos incluem uma maior presença da polícia e do comando nessas reuniões em toda a cidade. Nossos Centros de Apoio à Decisão Estratégica (SDSCs) também monitorarão todas as atividades e câmeras policiais para auxiliar na realocação proativa de recursos quando necessário.
Medidas de segurança adicionais, como controle de bagagem nos pontos de entrada da praia e toque de recolher para menores no Millennium Park, também estarão em vigor. O CPD também está trabalhando em estreita colaboração com jovens e trabalhadores de extensão para quando essas reuniões ocorrerem.
Incentivamos fortemente os pais a acompanharem seus filhos adolescentes ou deixá-los sob a supervisão de um adulto responsável. Continuaremos trabalhando ao lado de nossas organizações e líderes comunitários para fornecer espaços seguros e alternativas para nossos jovens em toda a cidade (GOUDIE, 2023, s/p).
Se o jornalista Joshua Arnold, citado anteriormente, se
preocupasse em sair de sua preocupação moralista e observasse a situação dos
Estados Unidos (e por isso atos semelhantes em outros lugares e cada vez com
mais frequência)[1],
ele veria uma situação social marcada por maior precariedade, aumento do
desemprego e diversos outros problemas sociais[2].
Ele também veria que, além dos professores e da escola com sua política
cultural e educacional e seus ditames ideologêmicos, os meios oligopolistas de
comunicação e a internet são outros elementos que reproduzem o subjetivismo, o
ceticismo generalizado, a evasão, o vazio, a falta de sentido. Juntar a
situação social precária, a falta de perspectiva de futuro dentro do
capitalismo (emprego, boa renda, etc., o que é almejado pela maioria dos
indivíduos na sociedade atual), o discurso do fim das utopias (e o real
enfraquecimento dos projetos utópicos, sejam os irrealizáveis, sejam os
realizáveis), e o subjetivismo hegemônico (com suas várias manifestações, como
o hiperindividualismo, o grupismo, o voluntarismo, o irracionalismo, entre
outras), explica a revolta juvenil em Chicago.
Contudo, os militantes e ativistas mais radicais não devem
se entusiasmar pela revolta em si. Ela é só uma “revolta” e a tendência
contemporânea é a ampliação de explosões e revoltas, pois a sociedade
contemporânea é uma panela de pressão perto de explodir e isso se torna mais
forte ainda quando não vê nenhuma “luz no fim do túnel”. A percepção que a revolta pode ser a primeira
forma de reação contra a sociedade atual já foi anunciada:
Uma sociedade evasiva é, ao mesmo tempo, manipulável e explosiva, pois ao lado da evasão generalizada há a insatisfação generalizada e se a manipulação falha, abre a possibilidade da explosão social que pode gerar uma revolta destrutiva ou uma revolução social (VIANA, 2022, p. 109).
O interessante é que a revolta é, ao mesmo tempo, protesto e
demonstração de insatisfação, mas impotência, pois não gera o novo, a mudança.
O prefeito eleito de Chicago, Brandon Johnson, foi menos infeliz em sua análise
e posição, apesar de sua incompreensão do fenômeno em sua totalidade. Ele
afirmou que não é “construtivo demonizar os jovens”, pois estes “carecem de
oportunidades em suas próprias comunidades” (apud. CALDWELL, 2023, s/p). Essa
afirmação permitiu a reação conservadora do jornalista Caldwell, dizendo que os
jovens não são “vítimas”, mas “infratores da lei” (CALDWELL, 2023). O que o
prefeito eleito, que ainda tomará posse, percebeu foi o problema social que
gerou o acontecimento, embora sua percepção dele seja extremamente limitada,
assim como sua “solução”[3].
Johnson percebeu um aspecto do acontecimento: o protesto, que revela
insatisfação. Não percebeu, no entanto, as raízes mais profundas do fenômeno. O
senador Robert Peters foi mais perspicaz ao afirmar que se tratou de “um
protesto em massa contra a pobreza e segregação” (apud. SPADY, 2023, s/p).
Desta forma, podemos concluir que a revolta juvenil de
Chicago foi um protesto contra a miséria real existente hoje no mundo e sua
manifestação concreta e específica nessa cidade. Ela demonstra uma insatisfação
social forte e que tende a crescer, especialmente com o problema econômico dos
Estados Unidos que se agrava e tende a gerar uma crise nacional e assim
reforçar a tendência para uma crise mundial, pois outros países do bloco
imperialista estão em situação semelhante. Nesse sentido, as revoltas tendem a
aumentar e explodir. Porém, revolta é apenas destruição. O momento afirmativo
requer a utopia, o projeto alternativo, aí se passa da revolta para a
revolução. As revoltas podem, no entanto, e esse é seu aspecto positivo, abrir
caminho para o retorno das utopias e, com isso, podem ser substituídas por
revoluções. Eis a única saída, pois se isso não ocorrer, a selvageria e a
guerra são as outras opções. Por isso se torna necessário as pessoas voltarem a
buscar a felicidade ao invés de se contentar com as migalhas e satisfações
substitutas oferecidas pela sociedade atual. É hora de lutar pela utopia
autogestionária.
Referências
ARMSTRONG, Brian. It Wasn’t a ‘Teen
Takeover’ in Chicago Over the Weekend, It Was a Riot. Disponível em: https://www.thetruthaboutguns.com/it-wasnt-a-teen-takeover-in-chicago-over-the-weekend-it-was-a-riot/
Acesso em: 18/04/2023.
ARNOLD, Joshua. Two Street Riots,
One Weekend: The Violent Legacy of Anti-Parent Policies. Disponível em: https://washingtonstand.com/commentary/two-street-riots-one-weekend-the-violent-legacy-of-antiparent-policies
acesso em: 18/04/2023.
CALDWELL, Gianno. Next Chicago mayor
excuses rioters: Expect more victims of violence. Disponível em: https://nypost.com/2023/04/18/next-chicago-mayor-excuses-rioters-expect-more-victims-of-violence/
Acesso em: 18/04/2023.
GOUDIE, Chuk. What went wrong? How
chaos unfolded in downtown Chicago. Disponível em: https://abc7chicago.com/chicago-violence-woman-attacked-in-teenage-riot-beat/13150528/
acesso em: 18/04/2023.
SPADY, Aubrie. Illinois state
senator defends Chicago teens' rioting, looting: “It's a mass protest”.
Disponível em: https://www.fox32chicago.com/news/illinois-state-senator-defends-chicago-teens-rioting-looting-mass-protest
acesso em: 18/04/2023.
VIANA, Nildo. A Sociedade da Evasão.
In: FERREIRA, Ezequiel; FREITAS, Patrícia; MELLO, Roger. (Org.). Psicologia e Desenvolvimento. Pesquisa e
Atuação. 1ed.Rio de Janeiro: E-Publicar, 2022, v. 1, p. 98-112. Disponível
em: https://www.academia.edu/69898927/A_Sociedade_da_Evas%C3%A3o
Acesso em: 18/04/2023.
[1]
O próprio jornalista cita isso, mas a sua explicação é a mesma para todos os
casos.
[2]
Basta assistir um telejornal da cidade, disponível no Youtube, do dia 14 de
abril desse ano, para ver que o assunto principal é a criminalidade, bem como
protestos de trabalhadores, fechamento do Walmart e suas consequências para
certos setores da população.
[3]
“Criar espaços para os jovens se reunirem com segurança e responsabilidade, sob
a orientação e supervisão de um adulto, para garantir que todas as partes de
nossa cidade sejam bem-vindas para residentes e visitantes” (apud. ARMSTRONG,
2023, s/p.). Uma solução tão superficial quanto a análise do acontecimento,
embora menos equivocada do que outras.
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Publicação Original:
https://redelp.net/index.php/pos/article/view/1331
GOMES, M. A Revolta Juvenil em Chicago. Revista Posição, [S. l.], v. 10, n. 23, 2023. Disponível em: https://redelp.net/index.php/pos/article/view/1331. Acesso em: 19 abr. 2023.
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