CURSO DE EXTENSÃO: ANÁLISE DO DISCURSO EM PERSPECTIVA DIALÉTICA.
Marcus Gomes - Blog Pessoal
segunda-feira, 9 de outubro de 2023
CURSO DE EXTENSÃO: ANÁLISE DO DISCURSO EM PERSPECTIVA DIALÉTICA
quarta-feira, 19 de abril de 2023
A REVOLTA JUVENIL EM CHICAGO
A REVOLTA JUVENIL EM CHICAGO
Marcus Gomes
Sociólogo; Doutor em Sociologia pela Universidade de
Brasília (UnB); Autor do livro “O Que é
Felicidade?” (Goiânia: Edições Enfrentamento, 2022).
O fim de semana em Chicago, Estados Unidos, foi surpreendido
por uma explosão violenta de jovens, alguns diriam “adolescentes” (os jovens
até 21 anos), que quebraram objetos e materiais, bloquearam ruas, saquearam
lojas. Isso parece um incidente isolado. Porém, em Los Angeles ocorreu também
tumulto, assim como, recentemente, tais acontecimentos estão eclodindo aqui e
ali nos Estados Unidos. O fim de semana de Chicago ainda não acabou. O que
interessa, no entanto, é como explicar esse acontecimento e entender seu
significado.
O estopim foi um acontecimento pueril: um grande contingente
de jovens queriam entrar no Millennium Park, no qual só podem entrar menores de
21 anos se estiverem acompanhados por um adulto. A revolta começou e a polícia
tentou impedir, mas foi pega de surpresa e sem o devido preparo (o que muitos
jornalistas destacaram).
Alguns tentam explicar o acontecido, como o articulista do The Washington Stand, Joshua Arnold,
pelas “políticas antiparentais” existentes nos Estados Unidos, que une a “esquerda”,
os professores e alguns outros para desmoralizar os pais dos jovens (ARNOLD,
2023). Cita, inclusive, como a desmoralização dos pais, que seria uma
“política”, ou seja, algo planejado, se manifesta nas escolas, onde os
professores buscam substituir os pais. Isso pode ser vista, por exemplo, na fala
de uma professora, Alicia Messing, segundo a qual ela questiona o que os pais
tem para oferecer: “o propósito da educação pública não é ensinar apenas o que
os pais querem que seus filhos aprendam, é ensinar a eles o que a sociedade
precisa que eles aprendam” (Apud, ARNOLD, 2023). A questão da identidade sexual
(de “gênero”) é citada também, pois, segundo o articulista, as escolas
estocaram armários com roupas para “os alunos possam se travestir” sem que seus
pais saibam. Assim, a conclusão do articulista é que a demoralização dos pais
faz com que os “adolescentes” se tornem problemáticos e “muitas escolas estão
treinando crianças para serem ativistas de esquerda” (ARNOLD, 2023).
Essa curiosa interpretação só poderia ser de um jornalista
extremamente conservador. Ele se pergunta, assim como diversos outros que ele
cita, “onde estão seus pais?”. Em que pese haja momentos de verdade nesse
discurso, pois realmente existe uma política educacional e cultural em vigor,
que reproduz o subjetivismo e os problemas derivados dele, bem como
efetivamente há uma desmoralização dos pais, a explicação da revolta juvenil
apenas por isso é reducionista e tão pobre quanto o que ele combate. A direita
combate a esquerda, mas ambas são reducionistas e são geradoras de problemas ao
invés de soluções.
Outros nem sequer buscam explicações. Muitos falam do “caos”
e não ultrapassam esse nível de descrição caótica da realidade. A realidade,
supostamente caótica, gera explicações caóticas de pessoas de pensamento caótico.
Realmente, é o caos! Mas trata-se, inicialmente, de um pensamento caótico,
confuso. Existe um grande contingente que culpabiliza os jovens, pois este seria
um problema dos indivíduos dessa faixa etária, considerado aqueles que são
chamados de adolescentes, que são aqueles que estão saindo da infância e nos
primeiros anos da juventude, os infanto-juvenis. A culpabilização dos jovens é,
em alguns casos, acompanhada pela culpabilização dos pais, da comunidade, do
aparato policial. O aparato policial ficou surpreso e perplexo e suas
declarações apontam para uma ação que visa controlar a cidade e solicita o
apoio dos pais, que devem acompanhar seus filhos. A declaração do CPD (Departamento
de Polícia de Chicago) aponta para isso:
A principal prioridade do Departamento de Polícia de Chicago é a segurança e o bem-estar de nossos residentes e visitantes, incluindo os jovens de nossa cidade. O comportamento imprudente, perturbador e violento que foi visto no centro da cidade no último fim de semana não será tolerado. Incentivamos nossos jovens a serem seguros e responsáveis enquanto aproveitam seus fins de semana, mas qualquer pessoa envolvida em atividades criminosas será presa e responsabilizada.
Analisamos ativa e continuamente as mídias sociais de código aberto e recursos adicionais estarão disponíveis para proteger aqueles que estão visitando, morando ou trabalhando nas áreas de grandes aglomerações. Os recursos incluem uma maior presença da polícia e do comando nessas reuniões em toda a cidade. Nossos Centros de Apoio à Decisão Estratégica (SDSCs) também monitorarão todas as atividades e câmeras policiais para auxiliar na realocação proativa de recursos quando necessário.
Medidas de segurança adicionais, como controle de bagagem nos pontos de entrada da praia e toque de recolher para menores no Millennium Park, também estarão em vigor. O CPD também está trabalhando em estreita colaboração com jovens e trabalhadores de extensão para quando essas reuniões ocorrerem.
Incentivamos fortemente os pais a acompanharem seus filhos adolescentes ou deixá-los sob a supervisão de um adulto responsável. Continuaremos trabalhando ao lado de nossas organizações e líderes comunitários para fornecer espaços seguros e alternativas para nossos jovens em toda a cidade (GOUDIE, 2023, s/p).
Se o jornalista Joshua Arnold, citado anteriormente, se
preocupasse em sair de sua preocupação moralista e observasse a situação dos
Estados Unidos (e por isso atos semelhantes em outros lugares e cada vez com
mais frequência)[1],
ele veria uma situação social marcada por maior precariedade, aumento do
desemprego e diversos outros problemas sociais[2].
Ele também veria que, além dos professores e da escola com sua política
cultural e educacional e seus ditames ideologêmicos, os meios oligopolistas de
comunicação e a internet são outros elementos que reproduzem o subjetivismo, o
ceticismo generalizado, a evasão, o vazio, a falta de sentido. Juntar a
situação social precária, a falta de perspectiva de futuro dentro do
capitalismo (emprego, boa renda, etc., o que é almejado pela maioria dos
indivíduos na sociedade atual), o discurso do fim das utopias (e o real
enfraquecimento dos projetos utópicos, sejam os irrealizáveis, sejam os
realizáveis), e o subjetivismo hegemônico (com suas várias manifestações, como
o hiperindividualismo, o grupismo, o voluntarismo, o irracionalismo, entre
outras), explica a revolta juvenil em Chicago.
Contudo, os militantes e ativistas mais radicais não devem
se entusiasmar pela revolta em si. Ela é só uma “revolta” e a tendência
contemporânea é a ampliação de explosões e revoltas, pois a sociedade
contemporânea é uma panela de pressão perto de explodir e isso se torna mais
forte ainda quando não vê nenhuma “luz no fim do túnel”. A percepção que a revolta pode ser a primeira
forma de reação contra a sociedade atual já foi anunciada:
Uma sociedade evasiva é, ao mesmo tempo, manipulável e explosiva, pois ao lado da evasão generalizada há a insatisfação generalizada e se a manipulação falha, abre a possibilidade da explosão social que pode gerar uma revolta destrutiva ou uma revolução social (VIANA, 2022, p. 109).
O interessante é que a revolta é, ao mesmo tempo, protesto e
demonstração de insatisfação, mas impotência, pois não gera o novo, a mudança.
O prefeito eleito de Chicago, Brandon Johnson, foi menos infeliz em sua análise
e posição, apesar de sua incompreensão do fenômeno em sua totalidade. Ele
afirmou que não é “construtivo demonizar os jovens”, pois estes “carecem de
oportunidades em suas próprias comunidades” (apud. CALDWELL, 2023, s/p). Essa
afirmação permitiu a reação conservadora do jornalista Caldwell, dizendo que os
jovens não são “vítimas”, mas “infratores da lei” (CALDWELL, 2023). O que o
prefeito eleito, que ainda tomará posse, percebeu foi o problema social que
gerou o acontecimento, embora sua percepção dele seja extremamente limitada,
assim como sua “solução”[3].
Johnson percebeu um aspecto do acontecimento: o protesto, que revela
insatisfação. Não percebeu, no entanto, as raízes mais profundas do fenômeno. O
senador Robert Peters foi mais perspicaz ao afirmar que se tratou de “um
protesto em massa contra a pobreza e segregação” (apud. SPADY, 2023, s/p).
Desta forma, podemos concluir que a revolta juvenil de
Chicago foi um protesto contra a miséria real existente hoje no mundo e sua
manifestação concreta e específica nessa cidade. Ela demonstra uma insatisfação
social forte e que tende a crescer, especialmente com o problema econômico dos
Estados Unidos que se agrava e tende a gerar uma crise nacional e assim
reforçar a tendência para uma crise mundial, pois outros países do bloco
imperialista estão em situação semelhante. Nesse sentido, as revoltas tendem a
aumentar e explodir. Porém, revolta é apenas destruição. O momento afirmativo
requer a utopia, o projeto alternativo, aí se passa da revolta para a
revolução. As revoltas podem, no entanto, e esse é seu aspecto positivo, abrir
caminho para o retorno das utopias e, com isso, podem ser substituídas por
revoluções. Eis a única saída, pois se isso não ocorrer, a selvageria e a
guerra são as outras opções. Por isso se torna necessário as pessoas voltarem a
buscar a felicidade ao invés de se contentar com as migalhas e satisfações
substitutas oferecidas pela sociedade atual. É hora de lutar pela utopia
autogestionária.
Referências
ARMSTRONG, Brian. It Wasn’t a ‘Teen
Takeover’ in Chicago Over the Weekend, It Was a Riot. Disponível em: https://www.thetruthaboutguns.com/it-wasnt-a-teen-takeover-in-chicago-over-the-weekend-it-was-a-riot/
Acesso em: 18/04/2023.
ARNOLD, Joshua. Two Street Riots,
One Weekend: The Violent Legacy of Anti-Parent Policies. Disponível em: https://washingtonstand.com/commentary/two-street-riots-one-weekend-the-violent-legacy-of-antiparent-policies
acesso em: 18/04/2023.
CALDWELL, Gianno. Next Chicago mayor
excuses rioters: Expect more victims of violence. Disponível em: https://nypost.com/2023/04/18/next-chicago-mayor-excuses-rioters-expect-more-victims-of-violence/
Acesso em: 18/04/2023.
GOUDIE, Chuk. What went wrong? How
chaos unfolded in downtown Chicago. Disponível em: https://abc7chicago.com/chicago-violence-woman-attacked-in-teenage-riot-beat/13150528/
acesso em: 18/04/2023.
SPADY, Aubrie. Illinois state
senator defends Chicago teens' rioting, looting: “It's a mass protest”.
Disponível em: https://www.fox32chicago.com/news/illinois-state-senator-defends-chicago-teens-rioting-looting-mass-protest
acesso em: 18/04/2023.
VIANA, Nildo. A Sociedade da Evasão.
In: FERREIRA, Ezequiel; FREITAS, Patrícia; MELLO, Roger. (Org.). Psicologia e Desenvolvimento. Pesquisa e
Atuação. 1ed.Rio de Janeiro: E-Publicar, 2022, v. 1, p. 98-112. Disponível
em: https://www.academia.edu/69898927/A_Sociedade_da_Evas%C3%A3o
Acesso em: 18/04/2023.
[1]
O próprio jornalista cita isso, mas a sua explicação é a mesma para todos os
casos.
[2]
Basta assistir um telejornal da cidade, disponível no Youtube, do dia 14 de
abril desse ano, para ver que o assunto principal é a criminalidade, bem como
protestos de trabalhadores, fechamento do Walmart e suas consequências para
certos setores da população.
[3]
“Criar espaços para os jovens se reunirem com segurança e responsabilidade, sob
a orientação e supervisão de um adulto, para garantir que todas as partes de
nossa cidade sejam bem-vindas para residentes e visitantes” (apud. ARMSTRONG,
2023, s/p.). Uma solução tão superficial quanto a análise do acontecimento,
embora menos equivocada do que outras.
------------
Publicação Original:
https://redelp.net/index.php/pos/article/view/1331
GOMES, M. A Revolta Juvenil em Chicago. Revista Posição, [S. l.], v. 10, n. 23, 2023. Disponível em: https://redelp.net/index.php/pos/article/view/1331. Acesso em: 19 abr. 2023.
sexta-feira, 31 de março de 2023
O que é Felicidade? Um livro sobre a questão da felicidade
Título: O Que é Felicidade?
Autor: Marcus Gomes.
Editora: Edições Enfrentamento.
Coleção: Esclarecimento 02
Edição: 01.
Ano da publicação: 2021
ISBN: 978-65-88258-39-2
ISBN (EBOOK): 978-65-88258-40-8
Páginas: 88
SINOPSE
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quinta-feira, 23 de março de 2023
Marx e a Questão da Consciência
Título: Marx e a Questão da consciência.
Organizador: Marcus Gomes.
Autores: Marcus Gomes, Carlos Henrique Marques, Felipe Andrade, Lisandro Braga, Lucas Maia, Nildo Viana.
Editora: Edições Enfrentamento.
Edição: 01.
Ano: 2020.
Páginas: 164.
ISBN: 978-65-00-04827-8
SINOPSE:
quinta-feira, 16 de março de 2023
Para refletir sobre narcisismo e individualismo na contemporaneidade
Para refletir sobre narcisismo e individualismo na contemporaneidade:
Abaixo links para alguns textos para refletir sobre individualismo e narcisismo na sociedade contemporânea:
O Mínimo Eu - Christopher Lasch.
A Cultura do Narcisismo - Christopher Lasch.
Além desses textos, é útil a reflexão sobre indivíduo e história:
O Papel do Indivíduo na História - Nildo Viana
E sobre indivíduo na sociedade moderna:
O Medo à Liberdade - Erich Fromm
sexta-feira, 27 de janeiro de 2023
MARX E A CRÍTICA DO IDEALISMO - Marcus Gomes
MARX E A CRÍTICA DO
IDEALISMO
Marcus Gomes*
A questão da relação entre
materialismo e idealismo no marxismo é vista geralmente de forma confusa. Essa
confusão ocorre através da compreensão limitada do que significaria
“materialismo” para o pensamento de Marx e sua interpretação através de sua
substituição pelo materialismo mecanicista do pensamento burguês. Isso gera uma
concepção segundo a qual as ideias seriam meros “epifenômenos”, ou seja, um
fenômeno secundário ou acidental sem importância explicativa ou que não tem
capacidade de gerar efeitos próprios[1], e
isso tem forte implicação política. Assim, torna-se necessário entender a
crítica que Marx fez ao idealismo para compreender o real sentido do seu
materialismo.
A crítica fundamental de Marx ao
idealismo é muito mais complexa do que as interpretações deformadoras
apresentam. No fundo, Marx refuta duas manifestações distintas de idealismo. A
primeira é a concepção idealista segundo a qual as ideias constituem a
realidade. É nesse contexto que Marx realiza a crítica do idealismo hegeliano:
Por sua fundamentação,
meu método dialético não só difere do hegeliano, mas é também a sua antítese
direta. Para Hegel, o processo de pensamento, que ele, sob o nome de ideia,
transforma num sujeito autônomo, é o demiurgo do real, real que constitui
apenas a sua manifestação externa. Para mim, pelo contrário, o ideal não é nada
mais que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem (MARX, 1988, p.
140).
Aqui temos a afirmação de Marx a
respeito do antagonismo (“antítese direta”) entre seu método e o de Hegel. Essa
antítese se fundamenta no processo de compreensão da relação entre “ideia”
(consciência, em termos marxistas) e realidade. Para Hegel, a ideia é um
“sujeito autônomo” e, por conseguinte, “demiurgo (criador) do real”, sendo este
mera manifestação externa. A concepção aqui é a de que as ideias constituem a
realidade. Napoleão, para Hegel, por exemplo, só teve importância histórica por
ter encarnado uma ideia. Para Marx, ao contrário, o “ideal”, ou seja, a
consciência, não é nada mais que uma tradução e transposição do material para a
mente humana. Sem dúvida, alguns pseudomarxistas pensam que “cabeça” significa
“cérebro”, no sentido físico do termo, e “transposição do material” é visto
mecanicamente, o que significa transformar Marx num materialista vulgar. Dizer
que o material é transposto para a mente é o mesmo que afirmar que o real (que,
nesse contexto, significa o mesmo que material) é transposto para a mente no
sentido de que ela “reconstitui” ele idealmente, realizando sua “tradução”, o
que significa que não é uma transposição mecânica.
Assim, a mente traduz o material
(real) em ideias. A filosofia hegeliana, por exemplo, trata do real, traduz ele
numa determinada linguagem e o faz a partir de determinada interpretação, o que
significa sua transposição e tradução. Essa transposição e tradução podem ser
ideológicas, como no caso hegeliano. Isso significa que é uma inversão da
realidade, em termos marxistas (MARX e ENGELS, 1982). O real é traduzido e
transposto na filosofia hegeliana, mas como é “tradução”, ela pode inverter a
realidade ao invés de expressá-la. É por isso que a ideologia é possível e
também é por isso que se trata de uma tradução, que pode ser mais ou menos fiel,
mais ou menos deformante. Uma pessoa não traduz um idioma que desconhece, pode
apenas “imaginar” o que ouviu ou leu e pode até dizer que compreendeu, sem ter
de fato compreendido. Outra pessoa, com domínio rudimentar de outro idioma,
pode fazer más traduções. E quanto mais complexo o que é traduzido, mais fácil
é a deformação, ou a traição, para lembrar o ditado popular.
Marx também realiza a crítica à
outra forma de idealismo. Trata-se da concepção idealista segundo a qual as
ideias ou a consciência determinam a realidade. No caso anterior, a ideia
constitui a realidade. Nesse caso, as ideias determinam a realidade, gerando
uma concepção monocausal que atribui à consciência a determinação dos
acontecimentos sociais e da vida em geral. Essa concepção é refutada por Marx
numa de suas frases mais famosas: “O modo de produção da vida material
condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral.
Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que,
inversamente, determina a sua consciência” (MARX, 1983, p. 25). Aqui Marx
defende a ideia de que é o ser social que determina a consciência e não
vice-versa.
A consciência de um indivíduo só
pode ser emanação de seu processo histórico de vida. A consciência não é nada
mais que o “ser consciente” (MARX e ENGELS, 1982) e só se existisse um
“espírito à parte” para não ser isso. O ser consciente é um indivíduo real, que
tem uma história de vida, que travou determinadas relações sociais, que foi
socializado numa determinada época, sociedade, classe social, que foi
constituindo valores gerados socialmente, sentimentos incentivados por
determinados setores da sociedade em um contexto social mais amplo, bem como
ideias de que teve acesso de determinada forma, lugar, etc.
Essa crítica de Marx pode ser
confundida com o materialismo vulgar e, efetivamente, muitos pseudomarxistas
caíram nessa armadilha. Porém, há uma má compreensão do que foi afirmado (ou
seja, a tese de Marx é transposta e traduzida de forma equivocada pelos
pseudomarxistas e supostos “críticos” deste autor). A crítica de Marx é clara:
a consciência é um produto social e histórico e não é a determinação da realidade.
Aqui se tem uma análise da relação concreta, real, entre ser social e
consciência, entre indivíduos reais e suas formas de consciência. A consciência
não é algo anistórico, fora das relações sociais, etc. É o mesmo que dizer que
o Estado é um produto social e histórico, mas, uma vez existindo, atua sobre o
modo de produção, sua base real, e todo o resto, regularizando as relações
sociais.
Logo, as ideias, as formas de
consciência, são produtos sociais e históricos. Isso não quer dizer que elas
não sejam “irreais”. Alguns intelectuais com pouca capacidade interpretativa de
textos, deduzem, de afirmações de Marx sobre “representações reais” e
“ilusórias” ou sobre ideologia como inversão da realidade, que as ideias
ilusórias seriam inexistentes, o que é uma interpretação absurda. A questão é a
de que as representações “reais” (o mais adequado seria dizer “verdadeiras”) e
as representações “ilusórias” existem, e o “real” e o “ilusório” é o seu
conteúdo (VIANA, 2015a). Se eu acredito em Papai Noel, eu tenho essa
representação que existe de fato, mas o seu conteúdo é ilusório. Da mesma
forma, se eu acredito que o sol gira em torno da terra. Isso vale para
representações verdadeiras. Se eu penso que a terra gira em torno do sol, tal
representação existe, e seu conteúdo é verdadeiro.
As formas de consciência são
constituídas social e historicamente, mas, uma vez existindo, atuam sobre a
realidade e são uma de suas determinações. Essa é a concepção marxista, e só
numa concepção mística seria diferente. Basta uma breve olhada na história da
humanidade para ver que milhares de seres humanos mataram e morreram por causa
de ideias, bem como outros que mudaram de ideias sempre que foi de seu
interesse, o que não anula a afirmação anterior.
Porém, aqui reside outra crítica
de Marx a algo que é reproduzido pelos culturalistas contemporâneos. As formas
de consciência (ou a cultura, representações, ideias, etc.) não determinam a
realidade, pois esta afirmação tem um caráter monocausal, como se o motor da
história fossem as ideias. Isso é facilmente refutado se lembrarmos de que as
formas de consciência são constituídas social e historicamente e que a cultura
é muito mais produto do que produtor da história. Existem bases reais para
determinadas ideias surgirem, se reproduzirem, ganharem força. E isso está
ligado a interesses (individuais e outros, mas especialmente de classe) e
outros processos (sentimentos, valores, etc.). As ideias religiosas que foram
hegemônicas na sociedade feudal, emergiram a partir das relações sociais reais
e interesses de classe que surgem a partir delas. Elas, uma vez existindo, tinham
a função de reproduzir e regularizar tais relações, o que significa que se tornam
ideias dominantes e que serviram para manter a dominação.
Assim, temos a crítica de Marx
ao idealismo absoluto hegeliano, bem como ao idealismo de historiadores e
outros culturalistas, que pensam a história como sendo a história das ideias (a
concepção materialista da história se opõe à concepção idealista e o tratamento
de Max Weber sobre o significado do protestantismo na transição para o
capitalismo é um exemplo desse tipo de procedimento). A crítica do idealismo
absoluto apresenta uma recusa da concepção segundo a qual as ideias constituem
a realidade e a crítica ao idealismo mais brando aponta para a recusa de que as
ideias determinam a realidade, numa concepção monocausal.
A concepção oposta apresentada
por Marx é o materialismo histórico. O materialismo aqui é muito mais um
realismo do que uma concepção de “matéria”, seja a matéria física ou qualquer
outra. O real é o elemento fundamental, inclusive para explicar a consciência. Uma
sociedade produz milhares de ideias ilusórias sobre si mesma e só é possível
escapar de sua autoilusão através da análise da realidade ao invés de se limitar
às ideias constituídas por elas. O “material” do materialismo histórico, é o
real, e esse é o social (realidade social) e o natural (realidade natural).
As ideias, contudo, não são
todas equivalentes. Elas podem ser diferenciadas por seu conteúdo (verdadeiro
ou falso) ou podem ser diferenciadas por sua força, ou seja, sua eficácia
social[2].
As ideias dominantes são as ideias da classe dominante (MARX e ENGELS, 1988) e
isso é explicado socialmente: a classe que possui o “poder material” (meios de
produção nas sociedades de classes e, mais especificamente, capital, na
sociedade capitalista) também possui os “meios de produção intelectual”, logo,
o “poder espiritual”.
A recusa da constituição da
realidade pela consciência é apresentada por Marx em diversas passagens e é por
isso que ele afirma que uma coisa é gênese do concreto (categoria que explicita
o que conceitualmente é apresentado como o real) na realidade e outra coisa é
sua gênese no pensamento. Na realidade, o concreto é determinado e é a “síntese
de múltiplas determinações”. Ele existe independente da consciência (e isso
mostra a recusa do idealismo absoluto) e pode ser reconstituído (idealmente) na
consciência.
O outro momento é a explicação
do real. Marx rompe com os determinismos, produtos das ciências particulares, e
mostra que o concreto é o resultado de diversas determinações e as ideias fazem
parte desta determinação[3]. O
que não se pode pensar é que elas são a única determinação da realidade. Quando
Marx analisa as lutas de classes na França (MARX, 1986; MARX, 1989) ele aponta
para o significado das ideias nesse processo, mostrando como as ilusões são
obstáculos e a consciência verdadeira é importante para o proletariado.
A ideia de práxis é outro
elemento fundamental do pensamento de Marx e da ideia de transformação social,
bem como para compreender que o materialismo histórico, ao contrário de outras
formas de materialismo, não é contemplativo. Marx refuta a posição
contemplativa e afirma que o idealismo desenvolveu o lado ativo, mas
abstratamente. Assim, o materialismo contemplativo deixa de lado a práxis, a
atividade humana sensível, e o idealismo reconhece a atividade, mas sob forma
abstrata, não compreendendo a atividade real, concreta. Em Feuerbach, a
atividade humana não aparece como atividade concreta, real. Por isso não
entende a atividade revolucionária (MARX, 1982).
A atividade revolucionária é a
transformadora, não meramente reprodutora. Podemos compreender melhor quando
Marx aborda a questão do trabalho em O
Capital, como atividade humanizadora, que humaniza o mundo, transformando a
realidade social e natural através de uma finalidade, colocando-a antes de sua
realização. A práxis é, portanto, teleológica, o que pressupõe a consciência.
Não é possível colocar uma finalidade em uma atividade sem ser consciente e
fazer isso conscientemente. O ser humano planeja uma atividade antes de
realizá-la, ao contrário de uma aranha ou uma abelha, que fazem isso por sua
programação orgânica.
A ideia de comunismo, em Marx,
remete justamente para isso. O comunismo é a “livre associação dos produtores”,
a autogestão, e nessa sociedade, termina a pré-história humana, e começa sua
história. A história humana significa a história feita conscientemente pelos
seres humanos, que se tornam senhores do seu destino ao invés de manifestações
de uma engrenagem (capital, servidão, etc.) que os dominam e de acordo com os
interesses da classe dominante. A ideia de comunismo em Marx é justamente
quando a práxis individual se torna coletiva, generalizada, o que pode ser
denominado comunismo ou autogestão, ou seja, quando não apenas determinados
indivíduos exercem atividades teleológicas conscientes, mas quando o conjunto
da humanidade faz isso[4].
Ora, se a humanidade decide
conscientemente sua finalidade, então temos o “reino da liberdade” e isso
poderia parecer contradizer o materialismo histórico. Essa curiosa contradição
parece nascer da contradição da crítica ao idealismo de Marx em contraposição
ao reino da liberdade, na qual a humanidade decidiria conscientemente seu
destino, o que significaria o predomínio das ideias. E isso até significaria
que o materialismo histórico é equivocado para analisar a sociedade comunista
ou autogerida.
Esse, no entanto, é um falso
problema, derivado de uma concepção fundada no materialismo vulgar. Quando se
trata, no materialismo histórico, da relação entre ideias e realidade, ela
ocorre nesse contexto. O real antecede e determina as ideias, no sentido histórico.
Os seres humanos, a partir de um determinado modo de produção, determinadas
relações sociais, determinadas formas sociais (Estado, direito, formas
organizacionais, formas de socialização, etc.), determinada cultura
anteriormente existente, constituem interesses e produzem as suas ideias. Elas
são parte da realidade e também são reais, no sentido de que existem e são
ativas, mobilizadoras. As ideias são uma das determinações da realidade social.
Os valores, os sentimentos, etc., também são constituídos socialmente e também
são mobilizadores. E se não fossem os sentimentos simpáticos, os valores
autênticos, não existiriam revolucionários[5].
Da mesma forma, as ideias revolucionárias se unificam com tais sentimentos e
valores e são mobilizadores importantes para o processo revolucionário. As
ideias contrárias também, só que agem no sentido contrário.
As ideias não podem surgir delas
mesmas[6],
mas uma vez existindo, são ativas. As ideias, ou seja, as formas de
consciência, numa sociedade autogerida, também são produtos sociais e
históricos. Elas brotam de uma sociedade na qual houve a libertação humana, a
escassez material foi superada, as classes sociais e seus interesses
antagônicos também, uma nova sociabilidade, fundada na liberdade,
solidariedade, etc., é instituída. Essa é a nova base real das ideias. As
ideias passam a determinar a realidade, mas tão-somente por corresponder a ela,
expressar relações sociais concretas, tal como a autogestão do processo de
produção e do conjunto das relações sociais.
Nesse contexto, ocorrerá um
avanço extraordinário da consciência e isso é explicado pelo fato de que os
obstáculos (interesses da burguesia, força do dinheiro, bases valorativas, competição
social, burocratização, etc.,) foram superados. As ideias passam a se adequar à
realidade. E a história humana sempre foi produzida pelos seres humanos, mas
através de uma luta de classes, nas quais os interesses da classe dominante
eram determinantes do processo de reprodução, de acordo com as condições e
necessidades de um determinado modo de produção. Uma vez destruída a sociedade
de classes, os interesses individuais deixam de se contrapor ao interesse
universal da humanidade e assim se constituem novas relações de produção e
relações sociais e, no interior delas, as ideias passam a ser fundamentais, mas
já não são as formas de consciência antigas e sim novas, correspondentes às
novas relações sociais. As novas necessidades, os novos interesses, as novas
formas de consciência, as novas ideias, estão em coerência com o conjunto das
relações sociais, pois estas exigem a atividade teleológica consciente de toda
a população.
O fundamental é compreender que
numa futura sociedade autogerida, o que Marx denominou “comunismo” (termo que
foi deformado pelos pseudomarxistas, passando a denominar partidos, países,
etc. que nada tem a ver com o significado original deste termo e por isso
preferimos “autogestão”, termo que não está livre das deformações, mas
explicita em seu conteúdo algo mais próximo da sociedade futura) é o reino da
liberdade. A liberdade, que nesse caso será a síntese da liberdade individual e
coletiva (VIANA, 2015b), pressupõe consciência e só é livre quem é consciente e
decide conscientemente. O reino da liberdade é, portanto, o reino da
consciência de seres humanos livres e estes assim o são pelo motivo de que as
relações sociais que eles instituíram apontam para isso.
Na nossa sociedade, quando em um
pequeno grupo há a decisão coletiva, ela foi realizada com base na consciência
dos indivíduos que fazem parte dele. Eles podem decidir se unir e organizar
para a libertação ou para a reprodução (VIANA, 2016). Esse processo é possível
pelas bases sociais da atual sociedade, marcada pelo predomínio das ideias
dominantes (sob as mais variadas formas, desde as conservadoras até as
progressistas, incluindo as falsamente revolucionárias ou emancipadoras). Nesse
contexto, é possível defender ideias tais como a da auto-organização, da
liberdade, etc., mas de forma mistificada, como sendo finalidades em si mesmas.
A mistificação é por se realizar em um pequeno grupo (determinado pelo conjunto
das relações sociais e com pequena margem de decisão além de suas questões
internas) e não no conjunto da sociedade. A liberdade só pode existir
efetivamente se for coletiva, generalizada em toda a sociedade. Senão será
apenas uma farsa, uma ilusão. Isso contribui com a manutenção da não-liberdade.
A consciência da não-liberdade é condição para a luta e para a conquista da
liberdade.
O processo revolucionário
significa, portanto, uma revolução cultural, que pode emergir marginalmente na
sociedade capitalista, mas que deve ir se desenvolvendo e ampliando, realizando
sua fusão com o proletariado, a classe revolucionária. Desde as formas mais
simples até as mais complexas, a consciência revolucionária deve emergir e se
generalizar. No plano das ideias, elas podem avançar e se desenvolver, mas sob
limites que são os impostos pelas relações sociais da sociedade capitalista,
expresso no aparato estatal, empresas capitalistas (incluindo as de
comunicação, educação, etc.), instituições, hegemonia burguesa, etc. Esses
limites, no entanto, não devem servir de pretexto para cair, seja no
pessimismo, seja no imobilismo, ou, ainda, no espontaneísmo, esperando que um
dia caia do céu a consciência revolucionária do proletariado. Essa consciência
revolucionária existe embrionariamente e os militantes revolucionários (intelectuais,
jovens, pequenos grupos, ou seja, o conjunto do bloco revolucionário) devem
desenvolver e aprofundar a propaganda, a produção cultural (teórica, artística,
etc.), a contribuição para a formação intelectual (pedagogia autogestionária),
etc. Esse trabalho, que pode parecer insignificante no atual contexto, pode ser
importante quando explodir as crises, a ascensão das lutas operárias que emerge
a partir do constrangimento do aumento da exploração ou da penúria, a
insatisfação da maioria da população, a violência e truculência do aparato
estatal, etc. Uma vez emergindo esse processo, há uma base que permite uma expansão
mais rápida e eficaz. A recepção das ideias revolucionárias ganha outra
dimensão.
Por isso, recordar a crítica do
idealismo em Marx é fundamental, para romper com o pseudomarxismo e com o
materialismo vulgar, que beneficiam os interesses da classe burguesa,
especialmente quando caem no pragmatismo, praticismo, determinismo, etc. O
fetichismo das organizações autárquicas (auto-organização) é outro problema,
pois essas nascem e morrem, mas é através da consciência que elas podem ser
recordadas, podem ensinar, podem significar algo revolucionário. As ideias não
morrem. Podem ser censuradas, esquecidas, marginalizadas, assim como podem ser
divulgadas, recordadas, fortalecidas. Mas qual tipo de organização, o que deve
a organização fazer, isso é algo que é definido pela consciência.
Por isso, aqueles que se
desanimam diante da resistência em relação às ideias revolucionárias, apenas
mostram não entender o marxismo. A partir da base de organizações autárquicas
não emerge, imediata e automaticamente, ideias revolucionárias. Acreditar nisso
seria inventar um determinismo organizacional, abstraindo que os seres humanos
reais que estão organizados estão envolvidos por esta sociedade por todos os
lados e é preciso não só apresentar “ideias organizacionais” (pois é isso que
se faz, mesmo aqueles que falam da “impotência das ideias”), mas ideias
revolucionárias. É preciso compreender que se trata de uma totalidade e que
portanto não se pode jogar uma parte dela fora, as ideias, mesmo porque elas
são fundamentais para a transformação social e radical das relações sociais.
Para compreender isso, é fundamental entender a crítica ao idealismo realizada
por Marx e não cair no materialismo vulgar.
Referências
KORSCH, Karl. Marxismo
e Filosofia. Porto: Afrontamento, 1977.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª Edição, São Paulo: Ciências
Humanas, 1982.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 1988.
MARX, Karl. As Lutas
de Classes na França. São Paulo, Global, 1986.
MARX, Karl. Contribuição
à Crítica da Economia Política. 2a edição, São Paulo: Martins
Fontes, 1983.
MARX, Karl. O Capital.
3ª edição, Vol. 01, São Paulo: Nova Cultural, 1988.
MARX, Karl. O Dezoito Brumário e Cartas a Kugelmann.
5ª Edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
MARX, Karl. Teses Sobre Feuerbach. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª Edição, São Paulo: Ciências
Humanas, 1982.
VIANA, Nildo. A
Pesquisa em Representações Cotidianas. Lisboa: Chiado, 2015.
VIANA, Nildo. Cérebro
e Ideologia. Uma Crítica do Determinismo Cerebral. Jundiaí: Paco Editorial,
2010.
VIANA, Nildo. Espontaneidade e Liberdade. Revista Posição. Ano 02, vol. 02, num.
06, jan./jun. 2015. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rpo/article/view/2viana6/222
Acessado em: 06/06/2015.
VIANA, Nildo. Organizações: Reprodução ou Transformação
Social. Revista Espaço Livre. Vol.
11, num. 21, 2016. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rel/article/view/440/391
acessado em: 31/12/2016.
* Doutor em
Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB).
[1]
Na concepção de alguns behavioristas e outros materialistas vulgares, as ideias
seriam determinadas por processos biológicos, tal como nas ideologias do
determinismo cerebral (VIANA, 2010) e, por isso, não poderiam determinar as
ações individuais ou sociais.
[2]
As ideias podem ser diferenciadas também por sua complexidade (representações
cotidianas e saber complexo, por exemplo), mas nosso foco aqui não é apenas a
crítica marxista do idealismo e por isso essas outras diferenciações não serão
abordadas.
[3]
Korsch (1977) enfatizou isso ao colocar que as ideias fazem parte da realidade
e, portanto, também agem sobre ela.
[4]
Para ocorrer isso, obviamente, é necessário a abolição das classes sociais e da
divisão social do trabalho, bem como dos seus derivados, como o aparato
estatal.
[5]
Nem mesmo classe revolucionária, pois sem tais sentimentos e valores, bem como
formas de consciência correspondentes, não haveria solidariedade e união, algo
que impossibilita a transformação do proletariado de classe determinada pelo
capital em classe autodeterminada.
[6]
No sentido de “somente delas mesmas”, pois as ideias, as formas de consciência,
surgem a partir de ideias anteriores, reinterpretadas, adaptadas, ao mundo
presente, de acordo com os interesses de classe de quem realiza tal processo.
Nesse sentido, é preciso ser coerente com o materialismo histórico: as formas
de consciência (ou as “ideias”) são algo real, logo, concreto, síntese de
múltiplas determinações. Uma de suas determinações são as ideias anteriores ao
lado dos interesses (pessoais e de classe, que se misturam, mas nem sempre são
coerentes nos indivíduos concretos) derivados da divisão social do trabalho,
bem como sentimentos, valores, relações sociais, etc. Da perspectiva do
indivíduo, a explicação de quais ideias terá maior impacto em sua vida remente
justamente ao seu processo histórico de vida, especialmente sua classe social.
Da perspectiva das ideias socialmente mais importantes, remete às ideias
dominantes, produto dos interesses da classe dominante e seus representantes
ideológicos, e às ideias revolucionárias, produto dos interesses do
proletariado e seus representantes intelectuais, bem como as demais ideias vinculadas
às dominantes, tal como as concepções ecléticas das demais classes sociais.
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domingo, 4 de dezembro de 2022
Sociologia do Pensamento - Autores e obras como tema de pesquisa social
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